O Xadrez das Cores: Resenha Crítica do Curta Metragem
- Reylloc
- 29 de dez. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de jan.

Acerca do filme “O Xadrez das cores”, um curta metragem de 22 minutos dirigido por Marco Schiavon. Formando o elenco, tem-se: Anselmo Vasconcellos, Mirian Pyres, Zezeh Barbosa e Rita Guedes. O curta-metragem recebeu vários prêmios, entre eles o de Melhor Filme pelo Júri Popular no Festival de Cinema de Goiás, em 2005. Conduzido pelas excepcionais atuações das atrizes Mirian Pyres e Zezeh Barbosa, respectivamente como Maria, uma idosa branca de 80 anos e Cida, uma moradora de favela de cor negra).
O Xadrez das Cores é um filme de curta metragem, com duração de 22 minutos, que aborda a temática do racismo entre brancos e negros, tendo por analogia as peças pretas e brancas de um jogo de xadrez. O filme conta a história de Cida (Zezeh Barbosa) - cujo nome não é citado para torná-la um personagem simbólico da raça - uma mulher negra de meia idade (40 anos), moradora de uma favela, que vai trabalhar para Dona Stella (Mirian Pyres), uma mulher branca, idosa (80 anos), de classe média, acintosamente racista e ranzinza.
A história começa buscando relatar a trajetória de duas personagens aparentemente desiguais. Esse convívio é marcado pelas atitudes afrontosamente racistas de D. Stella, que usa de violência psicológica e física, tocando diversas vezes Cida com a bengala, descarregando seu mau humor, suas reclamações, insultos e impaciência em comportamentos que chegam a chocar de tão cruéis e recorrentes.
Numa situação degradante, marcada pela necessidade econômica, a doméstica mantém a serenidade e paciência, zelando pela saúde da patroa, trazendo-lhe suco de acerola e, a cada cena desenvolvendo estratégias de religiosidade e negociação, e particularmente mantendo um certo nível de conscientização.
As personagens apresentam-se como forças antagônicas bastante caricaturais, que remetem às classificações e categori-zações: rica/pobre, branca/negra, patroa/empregada. É aí que entra o elemento mais simbólico do filme, alocado como o ponto central da obra, o jogo de Xadrez - visto como um entretenimento que envolve grande estratégia e raciocínio, reconhecido socialmente, e inclusive por Dona Stella “como um jogo de Branco”, na compatibilidade do personagem.
O preconceito de Dona Stella pelos negros era tanto que, ao comer as peças pretas da Doméstica ela as jogava no balde de lixo, para representar seu desprezo, dizendo-lhe “vocês só servem pra jogar futebol”. O jogo virara uma batalha, torna-se o centro de um confronto recheado de humilhações e ofensas da patroa contra a empregada, que sempre a derrota. Ela perde por desconhecer as regras.
Nesse cenário de constante opressão, a Doméstica toma consciência da necessidade de virar o jogo e consegue aguentar essa situação, porque necessita do dinheiro para sobreviver.
Circunstancialmente, passando numa rua, Cida encontra um livro que ensina as regras do jogo. Compra e, ao ler as instruções, descobre que um pião, ao chegar na última casa do tabuleiro, pode se transformar em uma Rainha. Estuda mais e obtém conhecimento suficiente sobre o jogo de modo que consegue derrotar a patroa numa partida, expondo a situação de não haver desigualdade das inteligências. Conscientizando-se dessa forma sobre o que estava acontecendo, ela resolve se demitir, e fala para sua patroa: “Mais do que dinheiro, Dona Stella, eu preciso de dignidade. No Xadrez, como na vida da gente, as peças pretas valem tanto quanto as peças brancas”.
No desdobramento, é interessante constatar como, divulgando o uso do Xadrez, Cida consegue fazer com que as crianças da favela deixem de brincar de polícia, bandido e tiros – um mundo que reporta a violência e a criminalidade no ambiente da favela - e com elas adquire conhecimento que a transforma.
Em seguida, de maneira objetiva, vê-se que Dona Stella passa pela experiência de ser cuidada por uma outra doméstica branca, que não tem zelo por sua saúde, e põe-se a refletir sobre o ocorrido anteriormente. Apesar de todas suas diferenças, existem semelhanças entre as personagens centrais, dentre as quais, destacam-se: o encontro de duas pessoas que entrecruzam seus passados e presentes doloridos - ambas solitárias e que perderam ou deixaram de ter seus filhos.
Após um pedido de retorno feito por Dona Stella para Cida, por meio do sobrinho, para que ela volte ao posto de trabalho, com a promessa de um melhor tratamento, ela retorna. E... convida, novamente, a patroa para uma partida. Dessa vez, uma espécie de confronto final, onde as próprias oponentes são transferidas para o tabuleiro, numa inversão, com a senhora branca jogando com as peças pretas, e a peleja se torna equilibrada, demostrando que conhecimento pode ser conquistado.
As duas rainhas no tabuleiro de Xadrez se encontram, no final, em posição de igualdade. A relação entre as duas mulheres anteriormente tumultuada, alterou-se, entretanto, permanecendo como incógnita se Cida decidira se vingar de Dona Stella por meio do jogo, ou se adquiriu consciência plena dos males do racismo.
O contexto em que foi lançado o filme, em 2005, é de um governo que procura apoiar a pauta das reivindicações das minorias. O Presidente é Lula da Silva. Nesse ano, o Brasil apresentava um crescimento de PIB inferior a 2004, com queda na agricultura e crescimento na indústria e serviços, além de queda nas importações e exportações. A renda continua concentrada. O ano começou com a crise do “mensalão”, uma denúncia de pagamento de propinas a parlamentares feita pelo partido do Presidente da República.
Nesse contexto, o filme parece querer substituir o aspecto claro de busca de uma redução do estranhamento da diversidade racial ao alimentar um conflito binário entre brancos e negros. Ressuscitar, como centro dos acontecimentos, num país de miscigenados, o conflito entre duas das dezenas de grupos éticos que o compõem, que significado poderá ter como contribuição positiva para o país? Resta-nos, entende-se, pretender romper com abordagens maniqueístas, que apenas visualizam poderes opostos e incompatíveis, e podem construir uma visão equivocada da realidade.
A situação da população brasileira quanto à composição racial, apurada pelo IBGE, em 2022, indicou que 0,42 % (cerca de 850 mil) são amarelos, 43,44 % (cerca de 88,2 milhões) são brancos, 0,62 % (cerca de 1,22 milhões) são indígenas, 45,35 % (cerca de 92,08 milhões) são pardos e 10,17 % (cerca de 20,65 milhões) são negros. A presença maciça de negros ocorre apenas em alguns (seis) estados do país, tais como: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Maranhão. O Ceará (Nordeste) e o Amazonas (Norte) foram os primeiros a libertar os negros, quando escravos.
O Amazonas, cuja população tem traços marcados pelas etnias indígenas, recebeu um pequeno contingente de negros, cuja mão-de-obra escrava era considerada onerosa, dando-se preferência aos indígenas, e teve sua população constituída por uma grande diversidade de nacionalidades, que marca seu cosmopolitismo, tais como: portugueses, espanhóis, franceses, alemães, italianos, ingleses, escoceses, galeses, norte-americanos, sírios, libaneses, palestinos, judeus, russos, chineses, barbadianos, habitantes das Guianas e hispânicos da América central e do sul.
Mais recentemente, vieram para cá em massa, haitianos e venezuelanos. Cada um dos Estados do Brasil possui sua característica formação, predominando a população branca no Sul, formada por italianos, alemães, poloneses, russos, ucranianos e outros. Cremos que isto deve ser enfatizado, ou seja, a grande contribuição que as inteligências dessa diversidade de imigrantes podem dar ao país consiste em entendê-las como a nossa vantagem competitiva perante as demais nações.
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