Manaus
- Reylloc
- 12 de jan.
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de jan.
I
Ah, Manaus* antiga de coisas lembradas
de amigos que outros rumos tomaram
uns para o mundo, outros, eternidade
reminiscências livres e tantas saudades.
O Café era da paz a Leiteria mimosa
o pão doce a coalhada do Careiro
o pirão escaldado o aipim macaxeira
Autazes amanteigava o pé-de-moleque.
xarope de guaraná, cerveja, maroca, XPTO
o metrô, o bonde que ia aos bilhares
da Fábrica de Cerveja ao Ferro de Engomar
a curva que era da morte e a baixa da égua.
o Solar da Olímpia, o vermelho 27 BC
o Cheik era na sombra do Hotel Amazonas
o boi Corre-Campo e o plano inclinado
drogarias Rosa e Fink e a casa amarela.
Na Tropical o piano era ao cair da tarde
o ouvinte disc-jóquei, a crônica do dia
com domingos sua manhã era de domingo
do broto de dez ao jovem de noventa anos.
O igarapé do 40, o Parque 10 de Novembro
a 13 e 24 eram de Maio e a 15 de Novembro
a Municipal passou a ser a 7 de Setembro
a 3.900 virou 4.400, e 100 mil paletós
a esquina das sedas, o canto do fuxico
a luz vinha do navio e também na Balbina
o porto das catraias, o navio gaiola,
o avião da Panair pairava no rio Negro.
II
Waldick, nosso Sinatra, Ângela, a Pelada
Lado ao Lado era ilharga da tua ilharga
Suave era a Noite, a Balada Triste
a Ternura antiga e a Tortura Amor.
Manaus onde o Brasil era um Bar; Botafogo,
uma sapataria, Vasco vendia o disco voador,
Flamengo era pente, para jogar botão feito
de caroço de tucumã. Aquilo que era jogo!
Ia-se da adega Portuguesa ao Canto da Alvorada
do Restaurante Central à Pensão Maranhense
e Bar Avenida ao Bife de Ouro ou Baratinha
se a grana era pouca a opção era o Guadalajara.
Água, Luz, Porto, Banco e Bondes, beleza
cria dos Ingleses, que viviam em Adrianópolis
que ia do Reservatório a Magistral, Nordestino
de São Luís a Salvador, passando em Fortaleza.
Cachoeirinha recitava os municípios amazonenses
de Itacoatiara a Ipixuna, de Parintins a Silves
Joaquim Sarmento, Itamaracá e adjacências eram
As áreas de trabalho das Operárias Amor-zonenses.
Os cines preferidos pela galera eram o “Ideal” e “Poeirão”
matinê: no Avenida e no Odeon, seriados: Guarani.
Os bois-bumbás eram: Corre-Campo, Mina de Ouro
Tira-Prosa e o Pássaro mais famoso era o corrupião.
Futebol: Clássico era jogado no Parque Amazonense,
e Colina. Labor, Duca Brito e Parque 10: peladas.
Azedos, Tapioca e Tiririca jogavam no Sul América,
Purgante, no Fast, Catita e Bololô, no rio Negro.
III
Atravessar para os Educandos e São Raimundo
Só na catraia e muitas vezes a volta: na porrada
a cidade era fresquinha por causa dos igarapés
paralelepípedos, benjaminzeiros e mangueiras.
O Colégio Estadual era Ginásio Dom Pedro II.
O Instituto de Educação era a Escola Normal
Doroteia, Santa Terezinha e Maria Auxiliadora
eram das meninas o Dom Bosco, dos meninos.
Rosa de Maio desfolhava o ano todo
o bar Bom Futuro, ficava no clima frio,
Rapariga frequentava até piscina
Ângelo e Verônica: viviam separados.
És a Vitória-régia que brilha em nossos igapós
Rosa cabocla flor de baunilha graça de todos nós
assim era festejada a nossa miss Amazonas
que também tinha a cor e o sabor de morango.
O Curtume Canadense, a La ville de Paris
a Boate dos Ingleses, o Chapéu Panamá
fato HJ, a camisa banlon, calça de nycron
o vestido de organdi, o perfume 1010.
O Felipe, geleiro; Flaviano goleiro,
o JS Amorim JG Araújo o JA leite,
Pavão, Asdrúbal e Aníbal no Vôlei
e o Mário Orofino no Futebol Tijucano
O óleo de fígado de Bacalhau, o Fimatosan
a Emulsão Scott, o regulador Xavier
Pílula de vida do Dr. Ross, elixir paregórico
Antisardina e antibiótico no Dr. Altayr.
IV
O bonde era de Flores, ou dos Remédios
tinha o ferro de engomar que fazia o Circular
tinha o da curva da morte e o da Saudade
todos eles ajudavam no cerol para empinar.
Maria era das patas e Chica Bodó
e piranha se comia até no caldo.
hoje estão emprestando pra elas, as
das quebradas começarem a Dasló.
E o aeroporto era ponta pelada
o Uirapuru e o Guadalajara, peixarias
o Virgílio, vinagre a lavanderia Lavatex
Luzia virou Luseia, a Voz, Bariceia.
São Marcos: Botequim; Santa Clara, pastel
Santa Etelvina, bairro, Joana, macumbeira
nem o diabo foi esquecido, é pobre mas
possui uma Igreja e já teve até delegado.
O instituto de Beleza de Messody Henriques
com o apoio de Cirineu, comandava a beleza
fazendo o permanente nas damas amazonenses
sem discriminar, meninas Dazona e Dapureza.
Na intimidade dá-lhe de corpete e bustiê
e vinham as cinco anáguas bem engomadas.
Feio mesmo eram os bob`s com rendinha
que usavam na cabeça antes do laquê.
Os homens cortavam cabelo nos barbeiros
na galeria JG tinha o Fígaro do Rei
com Seu Gerson, Osmar e Raimundo
chapéu, lenço e galocha só na Goulart.
V
O sapato, de última novidade, na Arone.
Que oferecia do pneu ao cromo
alemão, passando pelo seguro Vulcabrás
conga, chuteira ou de salto, motinha.
Caneta era Parker 51, comprada no médico.
Poupança? Cooperativa Banco Popular
e estrangeiro tínhamos o London Bank.
Mas o dos portugueses era o Ultramarino.
O centro da cidade ficava na ponta
tínhamos a Central de Ferragens,
o restaurante, o hotel e a garagem
mas a que dava medo era a de polícia.
Dragão tinha a sua casa e vendia tecidos
Pequeno Príncipe cuidava do masculino
os Velhos Lino e Lucena eram dos papéis.
e a Globo em Manaus era uma Tabacaria.
Professora: Mestra, não tia ou facilitadora
respeito era no olhar. Diretoria? Terror!
Tabuada aprendia-se mesmo na palmatória
Castigo era “de joelhos” ou “chame seu pai”
Os árabes nos municípios dominavam. Eram:
Assef, Abrahim ou hão, Nasser, Cheuan,
Azize, Haddad, Chible, Mansur, Chamma
Gorayeb, Hauache, Bichara, Said e Mussa.
Os judeus que comandavam o comércio,
atacadistas, varejistas e extrativistas
tinha Sabbá, Benchimol e Levy
Benzecry, Assayag, Bentes e Pazuello.
VI
A gente sabia: tristezas não pagam dívidas
que a Maria, coitadinha, vai com as outras
leso era o abestado que não estava nem aí!
As meninas cunhantãs, os menos curumins.
Aqui as vogais prevalecem pra chuchu
Tacacá, aluá, tracajá, tucunaré, cafuné,
Tucupi, uarini, tucuxi, janauari, arari,
Acari e forró bodó, pacu, até pirarucu.
Manaós, dos abricós, arigós e igapós
Manaus, dos aracus, candirus e anus
Manauense dos belenenses, cearenses,
Manauara, das iaras, cigarras e araras.
Manaus, a cidade dos nobres bares
das cunhantãs, dos igapós e igarapés
de um passado romântico e sossegado
que o tempo deixou pra trás... nunca mais...
*Transcrito do livro “Manaus meu sonho”, organizado por José Joaquim Marques Marinho, Manaus: Editora Valer, 2010, 144 pp.

Comments