Meu Avô - Alberto Augusto Pinto, por Ritta Haikal*
- Reylloc
- 4 de jan.
- 2 min de leitura
“Com o tempo, nossa memória fica repleta de ausências.”
Certos dias, acordamos envolvidos pelas recordações do passado. A memória fixa num determinado fato, tão nítido, como se fizesse uma regressão e pudesse vislumbrar um lugar, pessoas e fatos. Sensação, ao mesmo tempo, estranha e conflituosa, porque o coração transborda de amor e de saudade.

Alto, porte elegante, olhos bem claros, translúcidos, de um azul singular, calva brilhante, dedos longos em mãos de grande habilidade. Assim era meu avô materno: Alberto Augusto Pinto, imagem que me deixou saudosa e melancólica nesse dia. Metódico e de inteligência brilhante. Mistura de contador e cientista, a retirar de suas plantações no quintal-pomar, essência de patchuli e de outras ervas os “ingredientes” para fabricação do ALPINOL, uma espécie de fixador para cabelos, cuja principal propriedade era, além de fixá-los, deixá-los brilhantes.
Apesar da curiosidade de meus dez anos, sentia receio de entrar na “fábrica”, onde se misturavam, ecleticamente, latinhas de todos os tamanhos e feitios e outras difíceis de identificar. Lugar mágico, com altas estantes de vidro repletas de objetos diversificados que a memória não me mostra com nitidez. Cheiro de essências diversas. Um mundo encantado e mágico, porque desconhecido, mas a curiosidade infantil não me permitia ignorá-lo e lá ia eu, às escondidas, tal qual Alice, mergulhar naquele mundo mágico. Verdadeira e intrigante aventura!
Vovô, ao mesmo tempo em que inspirava muito, muito respeito, acarinhava-nos com ovinhos recheados e metodicamente distribuídos, assim como metódico foi seu viver. O pomar, por ele plantado e com a ajuda da tia Abi, era um desafio aos mais sofisticados paladares. Das jabuticabas, íamos aos ingás de metro e de caroço, aos jambos rosa e vermelho, ao mari-mari, às mangas comuns, mangas-rosa e ao manguito; cacau, bananas-maçã, bananas-prata, banana-inajá; banana baié. E o fruta-pão de caroço? Disputadíssimo! Abacates carnudos e biribás. “Bica no quintal. Água de beber. Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha o sol da manhã”, um lugar encantado, complementado pelos deliciosos doces de Tia Abi e o creme de gemas da Claudina, que com eles morou por mais de quarenta anos. Além disso, não se usava óleo e, sim, banha de porco, que dava à comida um sabor inigualável, sobretudo ao ovo frito, saudosamente lembrado por meu irmão Eudo e por mim. Incomparável.
Muito mais poderia dizer do legado de vovô Alberto, ou relacionar, como hospedar pessoas que vinham de Parintins e passavam meses e meses em sua casa: Telma, Quézia e outras, cujos nomes já me escapam. A morte de vovô foi a primeira a que assisti. Senti muito medo e muita tristeza. Aquela figura respeitada nos deixava órfãos de tantas imagens. Todas essas lembranças são parte de mim mesma. De inelutável saudade.
RITTA HAIKAL
*Mestra de muitas gerações, ensinando a língua portuguesa.
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