NOVOS TEMPOS, por Rita Haikal
- Reylloc
- 19 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de jan.

“Os dias felizes viajam nas nuvens,
e correm nas águas,
desmancham-se na areia.”
Cecília Meireles
Dizem que família é complicado, embora, na verdade, constitua o eixo da formação de quem nela vive e habita. Antigamente, a rotina era simples e tranquila, no entanto, inúmeros fatores contribuíram para as mudanças hoje verificadas no eixo familiar.
Recordo, com saudade, as brincadeiras de roda, passa anel, esconde-esconde, bolinhas de gude, manja, soldadinhos de chumbo, amarelinha, na rua, na frente das casas, enquanto as comadres, sentadas nas calçadas, atualizavam os assuntos do dia. Todos sabiam de tudo e vivenciavam as situações como protagonistas e os vizinhos integravam as famílias como se fossem parte delas. A solene hora do Angelus e o pedido de bênção aos mais velhos. Como a televisão ainda não chegara às casas, ouvia-se música em vitrolas, gramofones, discos de vinil, ou pelo rádio, cujo ponto alto eram as novelas, como “O Direito de Nascer”, responsável por arrancar lágrimas e lágrimas de pura emoção. As fotografias - os “retratos” - eram feitas depois da frase “Olha o passarinho”; as chanchadas, “Carnaval no Fogo”, “Aviso aos Navegantes”, “É Fogo na Roupa”, “Carnaval Atlântida”, com Emilinha Borba, Adelaide Chiozzo, Oscarito, Grande Otelo, José Lewgoy, a atrair considerável público - momentos de lazer substituídos e transformados. Arraial na praça da igreja, as expectativas de começo de namoro, o antigo “flirt”, ao sabor de um “rala-rala” de groselha. As mensagens e as músicas dedicadas por “pretensos namorados”. Ímpar sensação!
Pura alegria!
Merece destaque, ainda, nesse mergulho no passado, o fato de as casas terem quintal, onde se criavam porcos e galinhas, a par do cultivo de verduras, legumes e ervas medicinais em uma horta. Quem, naquela época, não usava “mucuracaá” para dor de cabeça? E chá de capim-santo e erva-cidreira para acalmar? E Iodex, Antiflogistine, Phosfo-tiocol, Calcigenol, Cálcio Sandoz, Emulsão de Scott? Muitas vezes, fui buscar, na horta, couve e alface para o almoço do dia. Fogão a lenha e fogareiro com carvão. Ferro de engomar muito pesado; nele, passava-se vela para melhor deslizar e deslisar os ternos de inconfundível e puro linho inglês. Anáguas volumosas, resultado de muitos folhos e muita goma, a ressaltar as minúsculas cinturas. Essa rotina tão saudável e inesquecível mudou e os elementos de lazer sofreram transformações ao longo do tempo.
Desapareceram as conversas na calçada e as brincadeiras de rua, por medo de assaltos e trânsito de veículos.
A televisão “adentrou” no ambiente familiar, substituiu a velha vitrola e os discos de vinil e isolou seus integrantes. “Tablets”, celulares com os “selfies”, computadores e outros sofisticados aparelhos mudaram padrões comportamentais e incorporaram novos significados à rotina de todos. Condomínios de luxo substituíram os antigos casarões e as pessoas passaram a viver, de certo modo, “encarceradas” em seu mundo e sem muita possibilidade de se relacionarem com o outro, dado o acúmulo de tarefas e obrigações cotidianas.
A população passou a conviver com a violência, cujo cenário de mortes, assaltos e medo confina, surpreende, assusta.
De igual modo, as mudanças significativas na estrutura, organização e função da sociedade, em economia, política e cultura, trouxeram reflexos imponderáveis no modo de ser e de agir das pessoas, na formação familiar e nas relações sociais. O conceito de família mudou com o passar do tempo e cada membro desse núcleo busca, hoje, a conquista de seus projetos de vida, de sua valorização e realização, nem sempre em consonância com os valores morais e sociais, calcados nas tradições e nos costumes trazidos de gerações e gerações. Transformações advieram do progresso, da tecnologia e das ciências, com efetivos reflexos na existência pessoal e social e novos paradigmas de comportamento e valores, relacionados à ética, à cidadania e à responsabilidade social.
Não somos mais nós mesmos.
Somos fruto do progresso.
Onde ficou nossa verdadeira identidade?
“Ter um lugar para ir é lar. Ter alguém para amar é família. Ter os dois é bênção.”
BOM-DIA!
RITTA HAIKAL
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